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19 de Abril de 2024

Queixa de candidatos à UFPR mostra fragilidades do sistema de cotas raciais

No processo do vestibular desse ano, estudantes autodeclarados negros ou pardos reprovados na banca presencial conseguiram uma vaga após entrar com recurso.

Publicado por Marcelo Rocha
há 7 anos

Denise Drechsel - Reportagem do Jornal "Gazeta do Povo" - 02/03/2017

A vitória de estudantes que tiveram sua autodeclaração como negros ou pardos recusada pela banca do processo vestibular Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas depois conseguiram uma vaga na universidade após interpor recurso no Núcleo de Concursos, suscitou estranheza e revolta entre os alunos reprovados. Se pessoalmente não pareciam ser afrodescendentes, por que depois a UFPR voltou atrás?

Queixa de candidatos UFPR mostra fragilidades do sistema de cotas raciais

Da parte da UFPR, foram cumpridos todos os procedimentos sugeridos pelas últimas decisões judiciais sobre o tema para evitar fraudes: realizou-se uma banca da qual participaram representantes de movimentos afrodescendentes, estudiosos de raças e pesquisadores da instituição, com a possibilidade de o candidato contestar o resultado. Todos os estudantes reprovados que entraram com recurso tiveram as suas imagens, filmadas durante a primeira banca, reavaliadas por um segundo grupo de especialistas. Em alguns casos, esta segunda banca decidiu definitivamente que alguns dos alunos recusados na primeira banca tinham direito a uma vaga por cota racial de acordo com a lei.

O imbróglio está no fato de que, mesmo tentando adotar critérios mais objetivos como a junção do fenótipo do candidato – a aparência e não a ascendência – e o mútuo reconhecimento – o aluno se autodeclara afrodescendente e com direito à vaga por ter sofrido algum tipo de perda por discriminação e a banca reconhece isso –, há muito de subjetividade na decisão final.

As bancas presenciais para checar se os candidatos são negros ou pardos já são um avanço, tendo em conta inúmeros casos de fraudes registradas em todo Brasil. Isso porque como a Lei das Cotas de 2012 menciona apenas a autodeclaração do estudante, a maior parte das instituições federais não fazia nenhum tipo de checagem sobre a veracidade de uma declaração de raça, procedimento que tem mudado nos últimos anos.

Mesmo assim, casos como o dos gêmeos idênticos que tiveram resultados diferentes na banca racial da Universidade de Brasília em 2007 – um foi considerado pardo e o outro não pelos avaliadores –, mostram o quanto são frágeis os critérios adotados, porque não conseguem fugir da subjetividade. “Fiquei triste, tinha um rapaz com pele mais clara que eu que passou e eu não”, afirma Tiago Andrade, que passou no vestibular pelas cotas, mas foi reprovado na banca. Outra candidata a se sentir injustiçada foi Suelen Queiroz. Ela estava na lista da primeira chamada nominal para Medicina e viu uma moça que ela considera ser de pele clara ser reprovada na banca e depois admitida por meio de recurso. “Todos fomos chamados e ficamos esperando a avaliação dessa moça, que demorou muito e deu falação nos corredores. A própria representante do movimento negro falou que não aprovaria, pelo fenótipo, e ela acabou por ser reprovada. Mas, depois, com o recurso, ela passou. Ao invés de ser justo, foi injusto e não ajudou a quem precisa”, acredita.

O professor Paulo Vinicius Baptista da Silva, presidente da comissão de validação da autodeclaração de raça/cor da UFPR, reconhece a dificuldade do mútuo reconhecimento, mas lembra que o procedimento adotado na universidade, além de seguir o conteúdo do voto do ministro Ricardo Lewandowski que levou à confirmação da constitucionalidade das cotas no Supremo Tribunal Federal, observa também as orientações de vários juristas feitas durante uma audiência pública realizada no Ministério Público Federal em 2016. “A segurança do mútuo conhecimento vem pelo fato da banca ser composta por estudiosos da área, representantes do movimento negro e da área de direitos humanos. Estamos tranquilos porque buscamos cumprir os critérios da forma mais objetiva possível, conforme as informações de cada um dos processos”, afirma.

Estamos no caminho correto?

A dificuldade de avaliar de forma objetiva o fenótipo ao conceder ou não a vaga reforça a tese de quem considera injusta a adoção dessa ação afirmativa. Ao invés de fazer uma reparação histórica e eliminar o racismo, a medida estaria produzindo o efeito contrário, criando um questionável “conceito legal de raça” e aumentando o conflito – como escreveram mais de 100 intelectuais em um manifesto ao congresso em 2006, incluindo professores de sociologia e filosofia das principais universidades brasileiras. “A invenção de raças oficiais tem tudo para semear esse perigoso tipo de racismo, como demonstram exemplos históricos e contemporâneos. E ainda bloquear o caminho para a resolução real dos problemas de desigualdades”, contém o documento.


Queixa de candidatos UFPR mostra fragilidades do sistema de cotas raciais

Por outro lado, quem defende as cotas raciais advoga que os riscos valem os benefícios alcançados. “A questão subjetiva e as tentativas de fraudes sempre vão existir. Mas é preciso fazer algo: pesquisas mostram que a ascensão do pobre branco é maior que a do negro, que sofre discriminação ao longo da vida. E isso ocorre também com estudantes de escolas particulares. É uma questão de autoestima, ele não tem a mesma autoestima de um branco porque a sociedade ainda discrimina muito”, diz Angela Randolpho Paiva, doutora em Sociologia e professora do departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), organizadora do livro “Entre dados e fatos: ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras”. Para ela, as cotas não reforçam a separação, mas aumentam a equidade.

Há também o perigo de que quem é beneficiado por cotas acabe sendo estigmatizado na vida profissional. Mas os defensores das cotas também acreditam que esse é um perigo a ser enfrentado com conscientização. “A maioria dos brasileiros não tem a sensibilidade de perceber que determinado extrato da sociedade não parte da competição pelos bens sociais do mesmo lugar. Além disso, há alguns que não percebem como funciona o sistema de cotas e o utilizam como um ataque contra esses setores desprestigiados da sociedade”, diz Marcus Vinícius Pessanha, advogado constitucionalista. “Por isso, as políticas de discriminação positiva têm de ser implementadas com uma sensibilidade especial, é preciso estudar como vai ser a repercussão na sociedade para não criar mal-estar”.

  • Denise Drechsel- Jornal "Gazeta do Povo" - Curitiba - Pt
  • [02/03/2017]
  • Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/queixa-de-candidatosaufpr-mostra-fragilidades-do-sistema-d...
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    10 Comentários

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    Um artigo muito informativo. continuar lendo

    Sou pardo, estudei em escola pública e descordo totalmente do sistema de cotas.

    Se alguém quer partir do mesmo ponto de partida para concorrer com outros, deve-se investir em ensino básico.

    É uma ideia ridícula achar que cotas suprirão essa diferença. Muitos universitários não sabem sequer ler um texto ou redigir. O despreparo vem da base fraca, superada pela cor da pele, status social e, hoje em dia, até se fala em opção sexual ou transexualismo, além de vício em drogas, como modo de ampliar as cotas.

    A união de peças de quebra-cabeças diferentes, por mais que se encaixem, não fará resultado final nenhum. Muitos pagarão o preço disso sendo maus profissionais, pois sabemos que aprovação pode ser obtida por diversos meios, o que se refletirá nos futuros clientes/pacientes.

    No fundo o sistema de cotas não passa de uma faceta do velho sistema do "seu voto por uma dentadura", onde as pessoas veem vantagem e querem esse meio mais fácil.

    Eu passei horas, dias, meses, indo a uma biblioteca pública suprir a carência do ensino público, numa época em que não havia internet. Hoje, por um smartphone, qualquer um pode assistir aulas no YouTube ou baixar apostilas ... e até livros piratas, como sabemos. Atualmente um smartphone, um notebook popular ou um tablet podem substituir o excesso de livros, possibilitando ter uma biblioteca vasta sempre a mão.

    Só cego não vê o perigo social de declarações como esta: “Fiquei triste, tinha um rapaz com pele mais clara que eu que passou e eu não”.

    O Brasil vem caindo no ranking de qualidade do ensino básico. Isso sim é preocupante. Quando reformaram o ensino praticamente impedindo a reprovação permitiram que estudantes chegassem ao final do ensino fundamental sem saber sequer assinar, ou desenhar seu nome. Já me deparei com pessoas nessa situação. continuar lendo

    Saber ouvir é uma virtude que poucos têm.
    Um processo de comunicação construtivo é fazer quem lhe escuta se sentir valorizado.
    Pergunte a eles o que pensam e escute com atenção suas respostas. Jamais fale às pessoas como num monólogo.
    Ninguém tem saco de ficar escutando uma pessoa que não dá espaço para outros opinarem.
    Saber ouvir é uma virtude que poucos têm. Não é à toa que nascemos com duas orelhas e apenas uma boca…
    Quem não conhece uma pessoa que fala pelos cotovelos e não deixa ninguém falar? Ou aquela que se acha dona da verdade e não aceita nenhum tipo de discussão?
    Benjamin Franklin resumiu isto quando disse:
    “Se você me coloca sua opinião de uma maneira dogmática, diretamente oposta ao meu modo de pensar, e não deixa espaço para negociação, eu sou obrigado a concluir – para proteger a mim e a minha auto-estima – que você está errado.
    Por outro lado, se você coloca a sua opinião como uma hipótese, evidenciando boa vontade para discuti-la e explorá-la, na maioria das vezes eu vou me empenhar em comprovar que você está certo.”
    Marinho Guzman continuar lendo

    O governo ditou a regra, uma medida clara de cunho político-eleitoreiro, ou fez algum plebiscito/referendo para ouvir a população?

    Deu margem para as pessoas falarem ou exerceu seu monólogo através do poder de império?

    Não lembro de ter sido consultado. Talvez tenham aberto um debate com professores universitário que, via de regra, estão amplamente ligados a movimentos sindicalistas e apoiavam o governo.

    E por quê não investir em educação básica? Porque isto liberta as pessoas e elas não têm uma "dívida" de gratidão para com o governo. Especialmente uma linha de governo que apoia a sócio-dependência-econômica do cidadão. Onde, sem o amparo governista, pouco se consegue. Aliás, sem as cotas estariam lá? Sem ensino básico de qualidade creio que não.

    Analfabetos sendo considerados alfabetizados para rechear as estatísticas do governo e virarem objeto de propaganda política. Universitários que dependem de cotas raciais, mas como fica o branco que tem acesso à justiça gratuita, apesar de ter renda, mas que é barrado na Universidade por sua cor e condição social? Como pode o Estado o declarar pobre na forma da lei para determinados atos e negar em outros?

    Assim como a farsa dos 40 milhões que saíram da miséria, não graças à criação de bons empregos de longa duração, mas sim através da SAE, que considerava alguém com uma renda per capita de meros R$ 82,00 como fora da linha de miséria. Alguém consegue imaginar um trabalhador que ganha 10% do salário-mínimo deixar de ser miserável? Alguém consegue imaginar que um estudante sem ensino básico de qualidade estará apto a exercer seus direitos?

    Aliás, ouvir não é característica de governos de esquerda. Quer exemplo? Na China, você acha que pode fazer um artigo sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial? Será que em Cuba podemos queimar pneus nas ruas contra o governo castrista? O próprio Lula tentou extraditar um jornalista do NYT por questionar seus exageros com álcool. Sim, a matriz da nossa esquerda é o Comunismo. continuar lendo

    Há uma petição pública sobre o caso:
    http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR97985
    Projeto de lei Fitzpatrick e denúncias no vestibular de 2017 da UFPR sobre fraudes nas cotas raciais continuar lendo

    Nessas horas, recomendo que, ao invés de uma banca de militantes políticos, abra-se uma licitação com armazéns fabricantes de tinta.

    "estira o braço!" - "esse é pardo!" - "essa é branca!" - "esse é índio!"

    Ao menos o critério seria objetivo.

    Falando sério, considerando que o critério é autodeclaração, realizar "fraude" é materialmente impossível. Autodeclaração não é cor de pele, não é fenótipo, não é nem ao menos ascedência.

    Concordo, é um critério estúpido (assim como toda a Lei de Cotas), mas é o que fora adotado em lei. Não gostam? Azar. Bancas de verificação? Não constam na lei - e mesmo a contrariam de forma expressa. Adotá-las é um procedimento ilegal.

    Um polígrafo seria menos incoerente que essa aberração. continuar lendo

    O STF considerou a legitimidade de bancas de verificação de autodeclaração
    https://economia.uol.com.br/empregosecarreiras/noticias/redacao/2015/11/10/justiça-decide-que-candidato-precisa-parecer-negro-para-entrar-em-cota.htm continuar lendo